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O que todo companheiro/familiar/amigo de portador de doença inflamatória intestinal deve saber


Tenho lido muitos desabafos de portadores de doença inflamatória intestinal (DII) - doença de Crohn ou retocolite - sobre a falta de compreensão das pessoas perante a seu estado de saúde. Em função disso, resolvemos explicar um pouco o que acontece com nosso organismo para ficarmos do jeito que ficamos e, por isso, seria muito interessante que as pessoas que convivem com portadores de DII leiam, sejam namorados (as), maridos/esposas, amigos (as), colegas de trabalho ou familiares.

Frases como essas nos deixam muito irritados ou magoados!

“Nossa, você nem parece que está mal. Nem está com cara de doente”.

“Você está magro (a) assim por causa da doença? Queria ter uma doença dessa também. Pior seria se engordasse, né”.

“Você engordou muito!”

“Ah, deixa de frescura.”

“Não é possível que dói tanto assim.”

“Minha mulher/meu marido não quer nada comigo.”

Bom, vamos em partes!

“O que é propriamente esse tipo de doença?”


A doença de Crohn e a retocolite são doenças inflamatórias intestinais, portanto, como o próprio nome já diz, são inflamações no intestino. Na doença de Crohn esta inflamação pode se estender da boca até o ânus, pegando todo o aparelho digestório. São caracterizadas por períodos de remissão, no qual a doença está controlada e temos pouquíssimos sintomas (ou até nenhum) e por períodos em que a doença entra em atividade, que é quando “adoecemos” mesmo. Não tem cura, mas o tratamento alivia muito.


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“Você nem tem cara de doente!”


Talvez olhando assim pra nossa cara nem parece que estamos doentes, mas vamos dar uma olhadinha mais por dentro. Essa é a diferença de um intestino saudável (como o seu) para um intestino inflamado (como o nosso). Imagina o mal estar que isso nos causa! Agora as coisas começam a fazer sentido, não é mesmo?


E o problema nem é só o intestino (e olha o estado que ele pode ficar!), mas o próprio processo inflamatório já traz vários incômodos. Um deles é a falta de apetite. Quantos de vocês já se cansaram de ouvir um portador de DII falar que está sem apetite e qualquer coisinha que come fica com a impressão de que comeu um boi inteiro, com osso e tudo? A própria inflamação causa essa falta de apetite. Mas isso acontece com você também... repare que quando você está com uma simples gripe o seu apetite diminui muito.

As “substâncias inflamatórias” não ficam retidas só ali no intestino, elas ficam passeando pelo corpo e aí podem perturbar um pouco. Por isso, é comum termos complicações ou manifestações extra intestinais. Se ela cismarem de ir para a articulação, podemos ter a famosa artrite. Nossos olhos também podem inflamar. Mas isso não acontece o tempo todo: é mais frequente quando a doença está em atividade.

Alguns medicamentos muito utilizados no nosso tratamento diminuem muito a imunidade, então, além disso, estamos muito mais susceptíveis a doenças, aí uma simples gripe pode nos derrubar. Os medicamentos também podem trazer probleminhas no fígado, rins etc. Esses são uns dos motivos pelos quais fazemos tantos exames – temos que controlar!



“Melhor ter uma doença que emagrece do que uma que engorde.”


Gente, por favor! Desde quando ter uma doença é bom? Ser magro quando tem uma vida saudável é muito louvável, mas muitos de nós ficamos magros porque não conseguimos (ou, algumas vezes, nem podemos) comer direito. Ou então a nossa absorção está tão prejudicada que quase tudo que a gente come vai por “ligação direta”.

Temos vontade de falar cada absurdo quando alguém fala algo do tipo conosco! Hehehe... Então, por favor, não fiquem falando isso nem de brincadeira.

“Você engordou muito!”


NINGUÉM gosta de ouvir isso, não é mesmo? E isso não é contraditório com a questão acima. Pessoal, na verdade quando a doença está ativa muito de nós perde muito peso e muito rápido. E sabe aquela sua vizinha que fez uma dieta da revista e emagreceu horrores, mas depois engordou o dobro? Pois é, é mais ou menos isso que acontece com a gente também, com a diferença de que não fazemos de propósito. Se a gente emagrece muito rápido, a tendência é engordar muito e muito rápido também. Fora isso, alguns de nós usamos medicamentos chamados corticoides, que nos incha demais, aí dá a impressão de estarmos mais gordinhos do que realmente estamos.

Outra coisa... hoje em dia a ditadura da beleza está muito grande. Dificilmente alguém se sente à vontade com o próprio corpo (independente de ter uma doença ou não). E nós estamos nesse meio. Por causa da doença, nosso corpo pode sofrer modificações constantes e isso nos deixa com a autoestima lááá embaixo. Num mês estamos “pele e osso”, no outro estamos gordinhos, num minuto a gente come uma coisa que nos deixa inchados e por aí vai. Além do mais, pacientes com DII tendem a ter mais gordura do que pessoas saudáveis. Por exemplo: duas pessoas com mesmo peso, mesma idade e mesma altura, sendo que uma tem doença de Crohn e a outra não tem nada: a pessoa com doença de Crohn vai ter mais gordura do que a pessoa saudável. Ainda não se descobriu a razão disso, mas já é comprovado. A gente promete que vai se cuidar o máximo que der e vocês prometem que vão nos amar com ou sem barriguinha, tá? Afinal, vocês também estão sujeitos a ter barriguinha! J

Descobriram também que a gente perde muito músculo. E esse é um dos motivos importantes para o cansaço que sentimos, a falta de força que temos. Mas para amenizar isso podemos fazer musculação! Então, pessoal, vamos mexer o esqueleto e praticar uma atividade física. Eu sei que nem todos de nós vão conseguir, mas quando a doença estiver controlada, #partiu!


“Deixa de ser fresco (a).”


Não é frescura, pessoal. Quem aí não fica vulnerável quando está doente que atire a primeira pedra. Vocês nos desculpem, mas tem hora que é difícil segurar a barra. Algumas vezes sentimos muito medo do futuro, de essa doença progredir, enfim, o que nos espera lá na frente. E, nessas horas, a gente não precisa ouvir que somos bobos (as); a gente precisa de compreensão.

As vezes sentimos medo de ir te visitar porque pode nos dar diarreia no meio do caminho e tem hora que temos vergonha de falar isso. E a gente sofre por não poder ir matar as saudades!

Tirando a dor e a dificuldade pra comer, como podemos trabalhar tendo que ir ao banheiro a cada 5 minutos? É constrangedor falar isso, mas tem hora que nem dá tempo de chegar ao banheiro.

E vai nos magoar muito, mas sabe aquela festa imperdível? As vezes o cansaço não permite que a gente consiga ficar em pé. Então balada é a última coisa que passa por nossa cabeça. Ir na balada pra ficar ora sentada sentindo dor ora naqueles banheiros nada higiênicos? E sem poder comer nada. Nem beber! ? Quem consegue ir?

Esse é um dos momentos que vocês são mais fundamentais para nós. Nessas horas a gente sente uma impotência absurda, porque não conseguimos fazer coisas “normais”, habituais de todo mundo. A gente se sente mal por não conseguir acompanhar vocês. A gente ODEIA se sentir doente. Nós sentimos vontade de trabalhar sim, nós queremos fazer a coisa mais simples que é entrar num ônibus e ir te ver, nós também queremos aproveitar a festa! Sabe, se você puder entender que tudo isso não é culpa nossa e ainda assim estiver do nosso lado, a gente vai te amar para o resto da vida! Risos.



“Não é possível que dói tanto assim.”


Aaaah, mas dói mesmo! Olha a foto aí em cima de novo.. aquela do intestino inflamado. Agora pensa o seguinte: sabe quando você tá com uma afta na boca e qualquer coisinha que come e esbarra ali dói muito? E quando morde a afta sem querer? Ui que nervoso!! Pois é, a mucosa (“pele interna”) do nosso intestino é muito parecida com a boca e as lesões que temos são como se fossem “aftas maiores e mais profundas”. Você consegue imaginar o seguinte: você está lotado de aftas e praticamente tudo o que você comer vai passar por elas e, quando passar, vai fazer força?  É o que acontece no nosso intestino. Vocês sabem que muito do que comemos vira bolo fecal, então imagina todo aquele bolo fecal passando por aquele monte de machucados no intestino e fazendo força ali? E faz força porque o intestino vai contraindo pra “empurrar” o bolo fecal pra baixo. É como se você fechasse a boca e apertasse as bochechas muito forte quando estivesse com as aftas e a boca cheia de comida. Pois é, então dói, dói muito.

E quem tem estenose pode sentir ainda mais dor. Estenose é o estreitamento do intestino, ou seja, o buraquinho pro bolo fecal passar fica ainda menor do que já é, aí o bolo fecal faz ainda mais força > aí machuca mais > aí faz mais força > aí machuca mais e assim vai. Pode chegar ao ponto de obstruir totalmente e não passar mais nada e isso é bem perigoso.

Fístulas também doem! Fístulas são buraquinhos que aparecem onde não deveriam, por exemplo, pode haver uma fistula perianal, que são buraquinhos perto do ânus. Pode haver fístula interna (dentro do corpo). Imagina um buraquinho aberto ali como dói e incomoda!

“Minha mulher/meu marido não quer nada comigo.”


Esse é o campeão dos desabafos e sabemos que isso não acontece só conosco. “Meu marido/namorado (esposa/namorada) quer transar e eu não consigo, aí ele (a) não me entende e fica com raiva”. Complicada essa situação, né!

Quando você está com pedra nos rins, você consegue pensar em sexo? Pois é. A diferença é que essas doenças saram logo e você pode ficar anos (ou até o resto da vida) sem ter mais nada, mas as doenças crônicas como a nossa não saram nunca. Ainda que o (a) companheiro (a) tenha esse nível de compreensão as coisas podem ficar complicadas pelo seguinte: ele sabe que você está doente, sabe que você não tem condições de fazer sexo, mas ele sente vontade porque ele é um ser dotado de hormônios e te ama. É ruim para o companheiro sentir vontade, mas ver a pessoa ali passando mal e ele não poder fazer nada. Dá uma sensação de impotência nos dois.

Nós também temos alguns “entraves” e pode ser que nunca tenhamos falado isso, porque sentimos um pouco de vergonha. Alguns de nós tem medo de nosso físico não agradar muito e, por mais que você ache que isso é bobeira, você não tem ideia do tanto que isso pode incomodar. Outros de nós tem medo de acontecer algum acidente intestinal ali bem na hora H, afinal quem nos garante que nossos esfíncteres também não vão empolgar lá na hora e esquecem de fazer a função deles?

Bom, gente, nesse caso os psicólogos insistem que a melhor solução é o diálogo entre o casal. Por termos vergonha, o mais comum de fazermos é nos fechar, mas isso não é bom de fazer. É muito ruim guardar o tempo todo tudo o que está acontecendo com você. Seu (a) companheiro (a) também se sente impotente sabendo que tem algum problema acontecendo com você e você não quer falar. Então: abre o jogo! Cada um fala o que pensa, o que sente, expõe seu lado e, se o amor e o companheirismo imperarem entre vocês mesmo, podem ter certeza que o sexo pode ficar infinitamente melhor depois disso. Quanto mais vocês conseguirem lidar com os problemas de forma natural, menos interferência vai haver na vida de vocês. E convém lembrar que é qualquer problema, afinal todo casal tem problema. Com boa vontade e cumplicidade tudo se resolve!





Ah, e só para lembrar também que a gente não é doente o tempo todo e você vai ter que viver administrando isso. Não, não, não! Pelo contrário, odiamos que pensem assim. A diferença é que nossa doença tem nem início, meio e fim; ela é crônica, vai ser pra sempre. Mas os sintomas não permanecem o tempo todo. Podemos ficar muuuuito tempo sem ter nada, mas o que a gente quer que vocês saibam é que queremos e precisamos da compressão e carinho de vocês nos momentos em que nossa doença der o ar da sua graça. Vocês não fazem ideia da força que podem nos dar! É muito difícil e muito ruim passar por essas coisas sozinhos... e a gente quer vocês do nosso lado nos bons e maus momentos, porque é assim que estaremos com vocês também. Amor, companheirismo e cumplicidade é a chave do sucesso de qualquer relação (seja família, casamento, amizade)!






3 comentários:

  1. Esse site me ajuda tanto... Essa matéria é excelente (como todas as outra!).

    Em casa, sofro o mesmo... no trabalho, também... Aliás, em toda parte. O pessoal não entende o que passamos (tenho Crohn). Tudo é frescura...

    A vida sexual minha até hoje ainda está muito complicada... e no momento estou com fístulas muito dolorosas...

    Mas ainda assim sou feliz. Vou vencendo um dia após o outro. Jamais tive problemas psicológicos por causa da doença. E, com tanta coisa boa que já recebi na vida, só tenho a agradecer!

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  2. Me incomodo quando as pessoas perguntam: "Você pode comer isso?", pois eu nunca disse que não posso comer nada nem que faz grande mal. O alimento não costuma nos fazer mal de uma só vez, mas aos poucos com o passar dos dias. E as pessoas pensam que fazem mal como um veneno e como se fossemos grandes doentes. Não é bem assim.

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  3. Tenho Retocolite Moderada. A pior pergunta que me fizeram foi a médica no consultório me perguntando: "Tudo bem?" Eu não respondi e ela disse: "Sim, não é?" Nós sofremos tanto fisica e psicologicamente, além do mundo não estar bem, e ainda vem alguns médicos fazendo essa perguntinha: "Tudo bem?" É melhor só dizerem: "Bom dia, boa tarde!" Aí sim, estarão desejando um dia melhor, uma tarde melhor.

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