Manifestações hematológicas – anemia
A anemia é muito comum nas
doenças inflamatórias intestinais e sua prevalência pode chegar a 74%. Define-se
como anemia o número reduzido de hemácias (glóbulos vermelhos), que têm como
principal função transportar oxigênio para os tecidos. Há vários tipos de
anemia e cada uma tem uma causa própria, podem ser temporárias ou permanentes e
de leve a severas.
A anemia associada à doença
inflamatória intestinal tem várias causas, mas geralmente acontece por deficiência
de ferro e distúrbios da hematopoese (formação, desenvolvimento e maturação das
células do sangue) secundários à inflamação.
Quais as causas da anemia e por que acontece?
As hemácias vivem por
aproximadamente 120 dias e depois eles morrem e outros nascem. Para as hemáceas
nascerem, eles precisam de ferro e, se a gente não tem ferro, elas nascem
pequenas e fracas – daí surge a anemia. Como já dissemos, ela é multifatorial
na doença inflamatória intestinal. A deficiência de ferro é uma das causas mais
comuns e é decorrente da espoliação por meio de sangramentos gastrointestinais,
má absorção e restrição dietética.
A inflamação é a outra grande
causa que leva à anemia. Nosso fígado produz a hepcidina, uma substância que bloqueia
a absorção intestinal de ferro e também vai impedir sua reciclagem dele. A
hepcidina é sintetizada em resposta a sinais fisiológicos que indicam que os
estoques de ferros já estão cheios e também quando há inflamação, fazendo os níveis
de ferro no sangue reduzirem.
Além da hepcidina, a
inflamação pode bloquear a produção da ferroportina (molécula que transporta o
ferro para fora da célula). Tudo isso também pode acabar afetando a ação da
eritropoietina (hormônio que regula a produção de hemáceas).
Existem outras causas também,
veja só:
Causas da anemia
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Comuns
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Anemia ferropriva
(deficiência de ferro)
Anemia da doença crônica
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Ocasionais
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Deficiência de vitamina
B12
Deficiência de folato
Anemia induzida por
medicamentos
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Raras
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Síndromes mielodisplásicas
Anemias hemolíticas
autoimunes
Aplasia da medula óssea
Hemólise induzida por
medicações
Interação com doenças
hematológicas congênitas
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Então a anemia é só pela deficiência de ferro?
Como vimos na tabela acima,
a deficiência de vitamina B12 (cobalamina) e de folato também pode ocorrer na
doença inflamatória intestinal, então vamos falar um pouco sobre essas outras
anemias ocasionais.
A deficiência de vitamina
B12 é a mais comum e acontece devido à sua má absorção no íleo terminal. É mais
comum na doença de Crohn, mas também pode acontecer na retocolite ulcerativa e
em pacientes que foram submetidos a colectomia ou ressecção intestinal.
Medicações usadas no
tratamento da doença inflamatória intestinal, especialmente a azatioprina e a
6-mercaptopurina também podem causar alterações hematológicas. A alteração mais
comum é a macrocitose (hemácias de tamanho maior que o normal). A anemia
isolada é rara, sendo mais comum a pancitopenia (redução de todas as células do
sangue – hemácias, leucócitos e plaquetas), que é facilmente revertida com a suspensão
da medicação.
Os derivados do ácido
5-aminossalicílico (sulfassalazina, mesalamina) raramente apresentam efeitos
adversos hematológicos.
A anemia hemolítica
autoimune (AHAI) também pode acontecer, mas é mais comum na retocolite
ulcerativa.
Existe algum momento específico no qual a anemia pode ocorrer?
Não. A anemia pode ocorrer
juntamente com o aparecimento dos primeiros sintomas da doença, como também pode
aparecer depois de um tempo. O risco da anemia relaciona-se à atividade da
doença com a inflamação sendo o fator desencadeante tanto da perda de sangue
como da anemia da doença crônica.
Como é feito o diagnóstico da anemia?
O diagnóstico da anemia pode
ser feito pelo exame de sangue, no qual se observa uma queda nos valores de
referência da concentração de hemoglobina. A primeira coisa a ser feita nesse
momento é saber o tipo de anemia.
Vejamos esse exame de sangue
que mostra a parte do hemograma (eritrograma):
Nesse exame as alterações
que mostram a anemia é a redução da hemoglobina e das hemácias. O volume
corpuscular médio (VCM) está dentro dos limites, o que mostra que o tamanho das
células está normal.
A anemia ferropriva
ferropriva é comumente microcítica (VCM reduzido) e hipocrômica (HCM reduzido)
e a anemia por doença crônica pode ser normocítica (VCM normal, como neste exame
acima) ou discretamente microcítica, também pode ser hipocrômica em um terço
dos casos, aproximadamente.
Em casos típicos, o
diagnóstico de anemia ferropriva e anemia por doença crônica é sugerido pelo
perfil de ferro. O critério diagnóstico para deficiência de ferro depende do nível
de inflamação. Em pacientes sem evidência clínica de inflamação, níveis de
ferritina sérica abaixo de 30 mcg∕L e a saturação de transferrina abaixo de 16%
são indicativos de carência de ferro.
Como tratar a anemia?
A anemia pode ser atenuada
com o tratamento da doença base, mas boa parte dos pacientes pode permanecer
com anemia mesmo após o controle da doença de base.
A anemia ferropriva é
tratada com reposição de ferro e, nesse caso, existem 2 formas de fazer essa
reposição:
- Através
de remédios via oral, na forma de comprimidos,
- Através de remédios pela via parenteral, ou seja, injetados na veia.
Há indícios que o ferro
luminal pode intensificar o processo inflamatório na doença inflamatória
intestinal. Por isso, a via preferida de reposição é a parenteral.
No Brasil, a solução de
ferro intravenoso é o sacarato de hidróxido de ferro e é comercializado em
âmpolas de 5mL, com conteúdo total de 100 mg de ferro elementar.
Apesar das vantagens da
administração parenteral, seu uso é incômodo e impraticável para alguns
pacientes. Nessas situações, o ferro via oral pode ser utilizado, recomendando-se
evitar doses maiores que 100 mg de ferro elementar por dia.
Alguns pacientes (principalmente
aqueles com componente inflamatório mais proeminente) podem precisar de
tratamento com agentes estimuladores da eritropoiese, como a eritropoietina (EPO),
por exemplo. É recomendado para pacientes com anemia sintomática.
E em alguns casos, quando a
anemia é muito severa, pode ser necessário fazer transfusão sanguínea, mas não é
tão comum. Mas a transfusão não substitui a necessidade de reposição de ferro
parenteral.
Esperança!! Os novos
tratamentos com agentes monoclonais que visam reduzir os efeitos da inflamação
podem mudar a história natural e a velocidade de resposta de anemia nos
portadores de doença inflamatória intestinal. A cuidadosa avaliação das causas
e dos fatores agravantes facilita o tratamento dessa complicação, podendo
contribuir para a melhoria da qualidade de vida.
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