Fatores
microbianos
Como já falamos algumas
vezes, até hoje não se sabe a causa das doenças inflamatórias intestinais.
Acredita-se que não exista uma causa isolada, mas sim um conjunto de fatores
que levam ao seu aparecimento. Visando entender melhor a etiopatogênese estamos
abordando todas as possíveis causas. Já falamos sobre os fatores genéticos e
os fatores ambientais e
hoje vamos falar sobre os fatores microbianos.
Durante muitos anos tentaram
identificar organismos de origem bacteriana, viral ou fúngica comuns e incomuns
que pudessem ser direcionados à inflamação crônica, mas a maioria foi
desconsiderada por falta de evidências. Existe uma miobactéria chamada Mycobacterium avium que já levantou
muita controvérsia, com relatos prós e relatos contra seu possível papel na
causa da doença de Crohn. O último estudo que tentou fornecer uma resposta
definitiva foi uma ampla pesquisa clínica que durou 2 anos na qual era
administrado antibiótico contra miobactéria num grupo e placebo no outro, mas
não houve evidência de benefício sustentado, o que sugere que a eliminação
dessa miobactéria não afeta significativamente o curso da doença e, portanto,
não é causa de doença inflamatória intestinal.
Tem também outro
microorganismo, mas esse ainda está em estudo. É a Escherichia coli aderente-invasiva (AIEC). Um grupo francês
descreveu o isolamento de cepas da E.
coli da mucosa ileal de portadores de doença de Crohn com a capacidade de
aderir e invadir as células do epitélio intestinal. Esse grupo também mostrou
que a AIEC está associada especificamente à mucosa ileal na doença de Crohn e é
incomum nos tecidos de controle ou na retocolite ulcerativa. Ainda não está
totalmente claro se tais cepas de AIEC constituem patógenos ou comensais, mas um
argumento contra seu papel etiológico na doença de Crohn é que o tratamento com
antibióticos eficazes não é bem sucedido na cura desses pacientes.
O insucesso em identificar
patógenos verdadeiros e o progresso nas pesquisas de respostas imunológicas antimicrobianas
atraiu a atenção dos investigadores à microbiota entérica normal como possível
indutora de inflamação intestinal crônica. Vamos explicar melhor! Baseado em um
amplo número de relatos ficou estabelecido que essencialmente todo animal
(inclusive os humanos) criado em condições livres de germes (ausência de flora
comensal) não desenvolve inflamação intestinal experimental. Em humanos
portadores de doença inflamatória intestinal, a existência de uma reatividade
imunológica a micróbios intestinais é conhecida há muito tempo, como
demonstrado pela presença de diversos anticorpos séricos contra uma variedade
de microorganismos. Esses anticorpos são utilizados atualmente como marcadores
da doença de Crohn e, quanto mais alto o número de anticorpos detectados, maior
a probabilidade de o pacientes apresentar um curso complicado da doença. Interessante
é que esses achados estabelecem uma ligação muito forte entre a magnitude da
resposta imunológica contra antígenos entérico-microbianos e a causa da doença
inflamatória intestinal, embora essa conclusão seja aplicável à doença de Crohn
e não necessariamente à retocolite ulcerativa.
Se, de fato, uma resposta
contra a microbiota intestinal for central à patogênese das doenças
inflamatórias intestinais, então surge a pergunta de ser ou não essa resposta
imunológica direcionada à flora intestinal como um todo, a subgrupos ou cepas
específicas e micróbios distintos. O desenvolvimento da reatividade imunológica
a bactérias entéricas constitui um fenômeno totalmente fisiológico que se
inicia logo após o nascimento, quando o sistema imunológico intestinal imaturo
começa a ser exposto a uma série de antígenos microbianos e cria um estado de tolerância
vitalícia contra eles. Estudos recentes mostram que cepas bacterianas únicas,
como bactérias filamentosas segmentadas, são essenciais para o repertório de
formatos de células T-helper no
intestino, o que proporciona mais provas da relação íntima entre microbiota e
imunidade intestinal.
Um princípio geralmente
aceito é o de que existe uma perda do estado de tolerância na doença
inflamatória intestinal, o sistema imunológico produz uma resposta inflamatória
antimicrobiota que se traduz como doença inflamatória intestinal em nível clínico.
Um dos maiores obstáculos
para o entendimento de por que e como a tolerância bacteriana é perdida é a
falta de um conhecimento mais profundo sobre a composição da microbiota
intestinal humana normal. Ainda não é clara a composição exata da flora humana
normal no intestino e como ela se altera sob condições patológicas. Além disso,
as comunidades bacterianas variam em relação a tempo e espaço.
Evidências estão sendo
acumuladas de que bactérias nem sempre funcionam como estimuladoras da resposta
imunológica, mas algumas, na verdade, promovem uma condição anti-inflamatória. O
número de bactérias associadas à camada mucosa aumenta significativamente em
pacientes com doença inflamatória intestinal, mas sua composição qualitativa
ainda está insuficientemente definida.
Há um certo consenso de que
existe uma diversidade menor da microbiota fecal na doença inflamatória
intestinal em comparação aos indivíduos de controle, de que as enterobactérias são
significativamente mais frequentes na doença de Crohn e de que podem ser
detectadas diferenças específicas ao comparar a flora fecal na doença de Crohn,
retocolite ulcerativa e em indivíduos saudáveis utilizados como controle.
Outro aspecto diretamente
relevante sobre como o hospedeiro normal ou portador de doença inflamatória
intestinal modula sua resposta a gatilhos bacterianos é o papel dos peptídeos
antibacterianos produzidos espontaneamente, como as defensinas. As alfa-defensinas
entéricas fazem parte de um arsenal antimicrobiano produzido no intestino
delgado dos mamíferos pelas células de Paneth, células secretoras
especializadas localizadas no fundo das criptas. Esses peptídeos
antimicrobianos agem na defesa contra bactérias patogênicas e controlam o equilíbrio
entre diversas populações de bactérias e contribuem para a homeostase local. Assim,
todo defeito na produção ou na função das defensinas pode afetar a composição
da flora e contribuir potencialmente para o desenvolvimento da doença
inflamatória intestinal.
Sendo assim, diversas questões
permanecem sem resposta antes que se possa entender melhor as interações da
microbiota comensal com o hospedeiro em indivíduos saudáveis e portadores da
doença inflamatória intestinal.
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